quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Mudanças ambientais x questão energética.


    Problema central: A questão energética

            Não podemos desviar a atenção do fato de que os problemas ambientais são parte integrante da questão energética, a mais fundamental das necessidades de todos os seres, que de energia precisam para manter-se vivos, crescer e locomover-se; e dentre eles, mais do que todos, o "ente vivo" que é o complexo simbiótico da civilização industrial.  


Em 1930 a produção total de energia per capita – medido em barris equivalentes de petróleo – era 3,35 barris por habitante. Nos 40 anos seguintes a produção se expandiu numa proporção muito superior ao aumento da população, até o máximo de 11,15 barris per capita atingido em 1970, a partir do que foi decaindo até o nível presente de cerca de 4,5 barris per capita.

Isto deveu-se ao fato de que o pico de produção da principal fonte de energia da civilização global, o petróleo com alto EROEI *(facilmente extraído), foi ultrapassado  em 2005.


À despeito da crise econômico-financeira detonada em 2008 --  apenas três anos depois --  todos os produtores continuaram e continuam tirando do solo e vendendo o MÁXIMO de petróleo que conseguem extrair de seus poços, mas a produção de todos os tipos de óleo vem crescendo com grande dificuldade.

            O exame das estatísticas de produção de petróleo mostra que a produção mundial de óleo cru (mesmo com  a discutível qualificação de  "óleo cru" dada à totalidade dos líquidos originados do fracking),  era da ordem de 72.000.000 barris diários em 2004 e subiu para 76.000.000 em 2013 (dos quais 2.000.0000 originados do fracking), isto é, um aumento de 5,55% em 9 anos, (+0,66% ao ano), totalmente abaixo das taxas anteriores de 2%  a 3% , necessárias a manter o esperado ritmo de crescimento da economia.

(clicando  AQUÍ NESSE LINK   a EIA - Energy Information Administration dos USA fornece tabelas flexíveis onde podem ser obtidas informações atualizadas sobre os diversos produtos e produtores)

            As tabelas "total oil supply" de produção incluem como "outros líquidos" tudo o que remotamente possa se chamar de líquidos energéticos, inclusive combustíveis sintéticos e biocombustíveis de potencial energético mais baixo.  


            Essas tabelas mostram cerca de 83.000.000 de barris diários em  2004 e 90.000.000 em 2013, um aumento de 8,43% ( +0,94% ao ano), resultado de 9 anos de esforço de compensação das quedas da quase totalidade dos campos. 
           
            Fracking, pré sal, óleo polar, canadian sands e outros substitutos caros, dificilmente viáveis e/ou de vida curta, podem ser esquecidos como "solução" para a inelutável queda de produção dos milhares de campos das províncias petrolíferas que envelhecem por todo o mundo.
           
            Fracking – o mais badalado entre eles por ter produzido um salto na produção dos USA e atraído recursos de milhares de investidores para uma “bolha” especulativa de que os tradicionais produtores mantiveram significativa distância – exaure rapidamente os hidrocarbonetos presos entre os folhelhos de ardósia e exige  a constante perfuração de milhares de novos poços para manter produção, com break even point dependente de altos preços de venda do barril extraído.   

            Não há como duvidar que o pico de produção do ouro negro que capitalizou o século XX foi ultrapassado nesse período. 

                Se alguém não se deu conta ainda do brutal impacto dessa falta de crescimento sobre a oferta global de energia, a mera inspeção  das curvas abaixo deveria ser suficiente para acordar o mais teimoso dos céticos.   

O gráfico da EIA (Energy Information Administration) mostra que a defasagem entre o crescimento da produção de óleo cru projetado em 2005 e a produção realmente alcançada em 2010 já era da ordem de 12 milhões de barris por dia, chegando hoje (2015) aos 20 milhões de barris diários, pois a produção de óleo cru permanece no entorno de  78 milhões quando deveria ter alcançado 100 milhões pelas taxas de crescimento anteriores.  


Se olharmos os dados da produção total de "liquidos" energéticos, fornecidos pela BP (British Petroleum), isto é, petróleo cru MAIS derivados do gás de petróleo MAIS areias betuminosas, MAIS "fracking technology", MAIS combustíveis sintéticos MAIS etanol, biodiesel, etc, etc. a defasagem em 2010 era aproximadamente a mesma, 12 milhões diários,  algo também por volta de dos 20 milhões de barris na data presente.


            Cada milhão de barris a menos significa um déficit diário de 1736 Gwh (Gigawatts-hora), então 20 milhões de barris a menos por dia somam 20 x 1.736 x 365 = 12.672.800 GWh ao fim de um ano.

Ora, considerando que uma usina atômica do porte da Usina de Angra dos Reis gera em um ano  11.000 Gwh, o presente déficit energético precisaria ser compensado com imediata entrada em operação de 1.152 usinas iguais a de Angra dos Reis.   E no próximo ano, mais 100 usinas, para compensar a falta de crescimento no ano corrente.


Um extraordinário golpe na economia mundial, que repercute diretamente no valor do dinheiro.


 De onde vem o valor do dinheiro ?

            Um economista diria que o valor do dinheiro decorre fundamentalmente da crença de que ele possa ser trocado por bens e serviços, mas do ponto de vista dos mais afeitos a realidades físicas,  o que é indistinguível de “capital” – e confere valor ao dinheiro – é o fluxo de energia aplicada como trabalho na produção de bens e serviços.

            Em   “O Crepúsculo do Petróleo”,  a  constatação de que energia é a capacidade de produzir trabalho, associada ao conceito de capital como trabalho acumulado, levou à formulação da hipótese de que, grosso modo,  o  “capital” que representa o total da riqueza fluindo em certo período em uma sociedade pode ser medido pela energia despendida no mesmo período para produção e o desfrute dos bens acumulados. 

            Se representarmos por P o valor de todos os bens e serviços produzidos num período elementar de tempo dt,  então 
                       
pode ser considerada a criação de riqueza (capital) ocorrida no tempo t em que foi simultaneamente despendida uma quantidade ε de energia.       A razão ε/C = κ determina a taxa de conversão da quantidade de energia consumida em certo período,  em unidades de valor da riqueza produzida ou transacionada no mesmo período.

            Num  “peer reviewed paper” publicado em 2011 Timothy J. Garret,  do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de Utah, chegou a conclusão semelhante à exposta em “O Crepúsculo do Petróleo” e  calculou a relação  ε/C  (consumo energético mundial / produto bruto mundial medido em 2005 Market Exchange Dollars), entre 1970 e 2009, em intervalos de 5 anos, revelando um índice praticamente constante em torno da média de 7,05 watts para cada  1000 US$ de produto mundial
(clicar sobre a imagem para ampliar).



            O gráfico abaixo mostra a inequívoca correlação entre os dois parâmetros, e a razão ε/C = κ praticamente constante nesse intervalo. O produto bruto está referido a 100 em 1970.


            A relação direta entre consumo global de energia e produto bruto mundial mostra que a economia é capitalizada diretamente pelo consumo de energia, que basta deixar de crescer para determinar a desestabilização de um sistema econômico que  depende de permanente expansão.

            Assim, sendo os combustíveis fósseis, principalmente o petróleo, as mais importantes fontes de crescimento energético – sem alternativas de substituição que possam ser implementadas à tempo – se deixarem de ser usados ou até mesmo mantiverem-se estáveis no atual patamar de utilização, isso será por si só causa determinante do colapso da atual civilização, independentemente dos demais problemas ocasionados pelas mudanças climáticas.

            A contribuição dos combustíveis fósseis é tão importante que determina a impressionante correlação entre produto bruto mundial e a concentração de CO2 na atmosfera, mostrada abaixo:

            
                Isto é, se o produto mundial cresce, cresce a concentração de CO2, linearmente.  Desse modo, para sustar esse crescimento é necessário cessar o crescimento da economia mundial -- o que é sinônimo de desastre total, já que o sistema econômico tal como existe hoje quebra se parar de crescer... 

                Então, se é verdade que a sensibilidade climática à concentração de CO2 é tão alta como supõe-se que seja, a lógica nos obriga a aceitar que  estamos diante de um colapso próximo e inevitável, tanto em caso de suspensão das emissões de CO2 --  que realisticamente não há como possam  ocorrer, como -- sem essa suspensão -- em consequência dos múltiplos feedbacks positivos que levarão rapidamente a temperatura a níveis insuportáveis.

            Se afirmações desse tipo são desalentadoras e politicamente incorretas, me desculpem, mas só posso dizer, repetindo Lutero,   "Ich kann nicht anders".

*E.R.O.E.I = Energy Return On Energy Input 

Um comentário:

  1. Caro Mauro,

    Novamente parabéns pelo texto esclarecedor.

    Os EUA conseguiram, graças ao gás de xisto, elevar sua produção de 5 milhões de barris/dia em 2008, para 7.4 milhões de barris/dia em 2013. Olhando apenas os dados absolutos, esse acréscimo de 2.4 milhões de barris/dia não fazem muita diferença em escala global. No entanto, proporcionalmente representam um aumento de quase 50% na produção norte americana em um intervalo de apenas 5 anos. Eles (EUA) dizem ser possível implementar a extração, e posterior condensação, em todo o mundo; e parecem já ter feito, inclusive, o mapeamento das regiões mais rentáveis. Se isso for verdade, poderíamos observar um aumento da produção mundial para algo em torno de 110 milhões de barris/dia por volta de 2020?

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