domingo, 22 de fevereiro de 2009

A verdadeira causa da crise financeira

A raiz da questão:A presente crise está sendo apresentada como um problema técnico causado pelo excesso de facilidades na contratação de hipotecas, e empréstimos feitos sem adequadas garantias, que pode ser tecnicamente resolvido pela aplicação de providências adequadas, como baixar ou elevar taxas de juros, ou injetar recursos públicos para a salvação de bancos insolventes.

Na verdade a situação é extremamente mais grave do que isso, porque tudo indica que a semi-esquecida crise energética detonou um processo sem volta de desmoronamento do sistema financeiro mundial, baseado na criação moeda lastreada exclusivamente em papel, e num mecanismo de endividamento crescente, que pressupõe a ilimitada expansão da economia.


O mecanismo de criação da moeda

Antes de mais nada é fundamental entender porque o sistema de criação dos meios de pagamento pelos Bancos Centrais funciona como uma “corrente de cartas” ou “pirâmide financeira”, indistinguível das perseguidas pela polícia quando montadas por vigaristas ambiciosos.

O procedimento é bem semelhante, em todos paises que operam com Bancos Centrais. Digamos que, no Brasil, se pretenda expandir a base monetária em 10 bilhões de reais:

1) Com esse objetivo, o Tesouro Nacional imprime (ou promete imprimir) uma certa quantidade de papéis lindamente impressos, no valor nominal de 10 bilhões de reais, e os entrega ao Banco Central, que em troca deposita nas contas do Governo, no Sistema de Bancário Nacional, 10 bilhões de reais, que passam a integrar os meios de pagamento. Esse depósito pode ser feito em Notas de moeda corrente, também lindamente impressas, ou ser simplesmente realizado por via eletrônica.
2) Nesse ato o Governo passa a ser devedor não só do total depositado, mas também dos juros correspondentes às Letras do Tesouro adquiridas pelo Banco Central.
3) A legislação em vigor determina que os bancos que fazem parte do Sistema Bancário estão autorizados a emprestar ao público uma elevada fração, normalmente 90%, dos depósitos neles feitos. Sendo assim, eles podem, logo de inicio, emprestar -- e efetivamente o fazem, pois seus lucros provém disso – 9 bilhões de reais.
4) Desse momento em diante ocorre uma coisa inacreditável, que se assemelha ao “milagre da multiplicação dos pães e peixes”: os 9 bilhões de reais se transformam, em operações sucessivas, em 90 bilhões de reais emprestados ao publico usando “moeda escritural” -- que é um nome impressionante aplicado a um dinheiro que os bancos emprestam sem ter, simplesmente criado “do ar”.
5) A mecânica disso é ridiculamente simples:
a) Quando os bancos emprestam os primeiros 9 bilhões a seus clientes, eles fazem isso simplesmente dando entrada num crédito escritural na conta de cada um deles, totalizando 9 bilhões de reais.
b) Se esses recursos são movimentados ou não, pouco importa, os saques feitos em cheque ou moeda voltam sempre como depósitos, ao mesmo banco, ou em outro, do Sistema Bancário. Os 9 bilhões emprestados constituem assim, para todos fins legais, depósitos distintos que dão aos bancos direito de emprestar 90% desse valor – ou seja, mais 8,1 bilhões.
c) Esses novos empréstimos ao serem creditados (“depositados”) nas contas dos clientes geram o direito de emprestar mais 90% de 8,1 = 7,29, e assim por diante, um número infinito de vezes.
d) O total emprestado, portanto é
9 + 0,9 x 9 + (0,9 x 0,9) x 9 + (0,9 x 0,9 x 0,9) x 9 + (0,9 x 0,9 x 0,9 x 0,9) x 9 + .....
Os que fizeram o ginásio no tempo em que se aprendia alguma coisa já perceberam que trata-se da soma dos termos de uma progressão geométrica decrescente, infinita, cujo termo inicial a1= 9 e a razão q = 0,9.

A fórmula que fornece o resultado é
S = a1 / (1- q) = 9 / (1-0,9) = 9 / 0,1 = 90;

90 bilhões !!

6) Em suma, cada 1.000 reais em moeda criada pelo Banco Central gera 10.000 reais de dívidas sendo 9.000 em dinheiro criado “do ar” pelos bancos, para os bancos, sem contar as taxas e juros.

A respeito desse fato me vem á lembrança as palavras de um conhecido meu, que depois de ganhar muito dinheiro como incorporador e virar financista e banqueiro, comentou certa vez:

“É incrível como é fácil criar dinheiro. Basta anotar um crédito na conta de alguém que ele sai assinando cheques. E o melhor é que ele me paga de volta esse dinheiro que não dei. Se eu tivesse sabido disso antes, não teria perdido tanto tempo tentando ganhar dinheiro de outro modo”.
Porque o sistema está fadado a implodirO que determina a instabilidade fundamental do Sistema não é o dinheiro fácil ganho pelos banqueiros, é o fato de que os 90 bilhões de reais de dinheiro novo criado por eles tem efeito inflacionário, adquirindo valor pela via da desvalorização do conjunto da base monetária.

Além disso, toda essa bolada de dinheiro – isto é, os 10 bilhões iniciais criados pelo Banco Central e os 90 bilhões criados pelos bancos, tem que ser pagos com o acréscimo de juros, digamos 12%, ou 12 bilhões de reais, isto é, a quantidade de dinheiro que é devida aos bancos será sempre maior que a quantidade de dinheiro (moeda corrente + depósitos bancários) existente em circulação.

Isto quer simplesmente dizer que um Sistema Financeiro operando dessa forma baseia-se na obrigação de pagar juros com um dinheiro que não existe -- nem existirá, caso não se providencie a expansão da base. O que gera a necessidade da expansão permanente da economia para torna-la capaz de contrabalançar o volume de dinheiro ciclicamente criado -- condição sine qua non da preservação do Sistema.

Em suma, do mesmo modo que na “pirâmide financeira” ou na “corrente de cartas”, que fica cada vez mais difícil de ser mantida porque exige um volume cada vez maior de dinheiro, um Sistema Financeiro baseado na dívida fatalmente entra em processo de quebra, desabamento, derretimento (palavras que começam a ser ouvidas, ultimamente) quando atinge o ponto em que se torna impossível conseguir participantes capazes de manter a roda girando com a velocidade suficiente.

Desde 2001 a economia americana começou a emperrar, exigindo juros mais baixos e facilidades cada vez maiores para encontrar tomadores de empréstimo nas proporções necessárias.

A partir de 2005, o começo de recessão causada pelos altos custos de energia, fez com que as pessoas tivessem menos dinheiro para consumir ou pagar dividas.

Para que um sistema financeiro funcione é fundamental que os tomadores de empréstimos paguem suas dívidas. O aumento da inadimplência desaqueceu a maior economia do planeta e contaminou os parceiros globais que haviam investido trilhões de dólares no mercado de papéis derivativos, garantidos por duvidosas hipotecas e outros títulos afins

Instalou-se assim a crise sistêmica global:

1) os bancos estão insolventes porque seus empréstimos estão garantidos por ativos sem valor; 2) a recessão econômica interrompeu o crescimento ininterrupto que viabiliza o sistema baseado na dívida; 3) não há como estimular a economia inundando os bancos com dinheiro que o público hesita em tomar, e que os bancos receiam emprestar, porque não confiam nos tomadores.

Para todos os efeitos o sistema quebrou. A única coisa que está mantendo a estrutura colada é a enorme fé no poder do Estado, e a visão desenvolvimentista de que déficits não tem muita importância, associada aos economistas da chamada “Escola de Chicago”.

Outros cansaram de pregar no deserto a verdadeira verdade que um sistema como esse, baseado no aumento da dívida pública e privada, levará fatalmente à insolvência dos devedores, ao desaparecimento da base financeira, e à desintegração do Sistema Financeiro Internacional.

Resta aguardar o desfecho, para ver quem tem razão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário