quarta-feira, 26 de novembro de 2008

“A normalidade da incompetência”



Na década de ’70 tive a oportunidade de ler um livro muito interessante, “O Princípio de Peter, ou As Leis da Incompetência” (The Peter Principle – de Lawrence Johnston Peter, 1969) que recomendo a todos porque, além de alertar sobre cuidados adicionais que devemos ter ao promover pessoas, em nossas próprias organizações, esclarece os motivos porque devemos sempre desconfiar da competência dos indivíduos que estão no topo da pirâmide, até de nós mesmos, quando nos situamos no cume.

O Principio de Peter afirma que em instituições estruturadas em posições de crescente responsabilidade, preenchidas pelo critério de competência, as vagas são ocupadas por indivíduos que demonstraram competência nos níveis inferiores e que vão sendo promovidos até atingirem seu nível de incompetência.

Fica assim perfeitamente explicada a completa desorientação que vem sendo demonstrada por Henry Paulson, Secretário do Tesouro Americano, altamente experiente no mundo dos Bancos de Investimento e na compra e venda de papeis de todo o tipo, mas que tem demonstrado um alto grau de incompetência nas desastradas tentativas de administrar uma crise pela qual, como presidente da Goldman and Sachs, foi um dos mais criativos e influentes responsáveis.

Em Setembro de 2008 ele começou resolvendo salvar Bear Stearns mas em seguida mudou de estratégia, permitindo o colapso de Lehman and Brothers, o quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos, que ao ter seus ativos liquidados na praça causou um efeito em cascata que desvalorizou os ativos de outros gigantes periclitantes como AIG - American International Group e o Citigroup.

Em ato continuo o Paulson conseguiu do Congresso permissão para usar 700 bilhões de dólares para salvar a situação comprando os “ativos podres” dos bancos.

Mas, se o governo pagar o preço correto por esses papeis praticamente sem valor, os bancos serão obrigados a reconhecer pesadíssimas perdas, tornando pública sua situação de insolvência.

Se, de outro modo, o preço pago por esse “refugo” for suficientemente alto para salvar os bancos, os 700 bilhões bastariam só para uma pequena fração dos ativos duvidosos.

Quando isso ficou claro, Paulson desistiu da compra de “ativos podres” anunciando que em vez disso usaria os recursos do governo para adquirir ações dos maiores bancos, fornecendo assim o capital destinado a estimular a concessão de empréstimos.

Verificou-se em seguida que a maioria, se não a totalidade, das instituições, está insolvente, a começar pelas maiores, como o Citigroup, virtualmente “nacionalizado” nesta ultima semana de Novembro -- embora por razões ideológicas todos evitem admitir que está ocorrendo um crescente processo de nacionalização das instituições financeiras.

O caso do Citibank é emblemático de uma situação de impossível solução.

No curso das urgentíssimas decisões de Setembro, levando em conta que em seus balanços o Citigroup apresentava ativos correntes superiores a 2.000 bilhões de dólares Paulson determinou que o grupo absorvesse o Wachovia Bank, um banco enorme, que estava na iminência de quebrar.

Menos de oito semanas depois foi a vez do Citigroup revelar-se na mesma situação.

Com o seu valor de mercado reduzido a menos de 10% do que era em 2006, e na iminência do colapso – o Citigroup e o Governo americano identificaram otimisticamente um conjunto de cerca de 300 bilhões de dólares de ativos problemáticos (menos de 1% do total de papeis derivativos) e acordaram um complicado negócio de transferência de ações que na pratica levará o governo a absorver todas as perdas acima de 55 bilhões, e com elas, o Grupo inteiro.

Tornando ainda mais séria a situação, o Citigroup tem uma carteira maciça de cartões de credito – 185 milhões de contas em todo o mundo – que mesmo antes dos recentes episódios estava apresentando perdas por inadimplência 67% maiores que as de um ano antes e, pior que isso, com um número de clientes com mais de 90 dias de atraso muito acima desse patamar, prenunciando uma segunda onda de inadimplências que vai se somar à das hipotecas e agravar a situação dos "derivativos".

Pois, importante realmente é o fato de que do total mundial de mais de 500 trilhões de dólares de papeis derivativos (
ver postagem de 25.10.2008 - a "bomba de destruição em massa"), identificados pelo BIS (Bank of International Settlements), 181 trilhões eram ativos de bancos americanos, mais 95% deles resultando de negócios feitos diretamente entre comprador e vendedor ("over the counter"), sem intervenção de qualquer agência intermediária ou reguladora.


Desse total 168 trilhões concentram-se em três grandes grupos, sendo um deles o Citigroup.

Segundo os dados de 2008 do OCC (Office of the Comptroller of the Currency), a principal unidade do grupo, que é o CitiBank, tem em seus ativos algo da ordem de 37.100 bilhões (37,1 trilhões) de dólares dependentes de papeis derivativos, mais do que cinco Lehman Brothers, cuja falência já trouxe à beira do abismo o sistema financeiro mundial.

O risco do Bank of América é ainda maior -- 39,7 trilhões.

E o JPMorgan Chase, o maior de todos, com o dobro disso: 91,3 trilhões. Isto é, apenas um banco fazendo apostas de imenso risco, envolvendo uma quantidade de dinheiro equivalente a 13 Lehman Brothers, mais de 6 vezes a produção total da economia dos Estados Unidos !!

A escala das perdas escondidas nessa sinfonia de trilhões é tão enorme que, se não ocorrer antes, é bem possível que um dos primeiros atos do novo Presidente Barak Obama tenha que ser a decretação de um feriado bancário, seguido da completa nacionalização dos grandes bancos, de modo a assumir todos ativos podres e as correspondentes perdas, na esperança de fazer novamente fluir os mecanismos de credito emperrados.

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