sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Os sistemas energético e econômico-financeiro estão inextrincavelmente imbricados.

Em primeiro lugar, e de um modo fundamental, porque moeda corrente, títulos, letras e papeis de todo o tipo só tem valor porque representam a contrapartida de bens criados de uma maneira ou de outra, em uma época ou outra, pela aplicação de energia, 55% da qual, nos dias de hoje, extraída do petróleo e gás.

Em segundo lugar pela grande importância do insumo energético, presente em todos os elos da cadeia de formação de preços.

Em terceiro lugar pelos trilhões de dólares injetados anualmente, sob a forma de petrodólares, na economia mundial.

Assim, o enorme aumento, entre 2004 e 2008, de mais de US$ 50 por barril, causado pela folga insuficiente entre demanda e oferta de petróleo, gerou para as empresas e países exportadores trilhões de dólares de dinheiro fácil, rapidamente reciclado no sistema financeiro internacional, e enormemente multiplicado pela criatividade de gestores de fundos de investimento, virtualmente isentos de restrições legais.


Para se ter uma idéia do volume de “capital” gerado sem base em qualquer coisa sólida, basta ler a descrição do mecanismo de criação, feita por Nouriel Roubini, professor da Universidade de New York, ex-assessor do Tesouro recentemente chamado a depor sobre a crise, no Congresso americano:

“Qualquer gerente agressivo e suficientemente ambicioso” – e houve milhares deles – “dispondo de 1 milhão de dólares, poderia montar uma carteira contendo papéis garantidos por hipotecas ou por outros títulos de credito no triplo desse valor".

"Os 4 milhões resultantes (na proporção $1 de ativo real para $3 de papeis representando dívida) seriam transformados num fundo cujo valor “multiplicaria” por 3 ou por 4 esses 4 milhões, investidos por sua vez num fundo “hedge”, que alavancaria novamente esses papeis, 3 ou 4 vezes, o suficiente para comprar uma pequena fatia de uma CDO (Collaterallized Debt Obligation) que, por sua vez seria alavancada 9 ou 10 vezes".

"Ao final dessa cadeia, o 1 milhão inicial estaria transformado em algo da ordem de 100 milhões de investimento, que por estar segurado através de CDS (Credit Default Swaps) poderia figurar como se fosse um ativo real, garantidor da solidez de instituições de credito”.

Esse castelo de cartas que – do mesmo modo que uma pirâmide financeira – só tem condições de manter-se enquanto existirem investidores dispostos a recomprar e revender os papeis, teria forçosamente que desabar no momento em que fosse abalada a confiança no valor das hipotecas e títulos de credito que lhe formam a base.

Quando em 2004 a produção de petróleo entrou num "plateau" ondulado, com a conseqüente disparada nos preços, houve muita discussão sobre até que altura o preço poderia subir antes que o elo mais fraco da cadeia se revelasse, fazendo a economia mundial entrar em colapso: US$100 ??, US$200 ??, US$300 ??

Não foi preciso ir tão longe: aparentemente o patamar dos US$ 100 dólares, ultrapassado no primeiro trimestre de 2008, foi suficiente para revelar a fragilidade da economia americana, sustentada numa bolha artificial de consumo, escorada numa montanha de crédito concedido sem cuidado, e a juros negativos, se levada em conta a inflação.

Com o explodir da crise, e a conseqüente queda dos preços de todas as “comodities”, inclusive o petróleo, o petróleo perdeu seu papel de catalizador da inflação, no exato momento em que chegava ao seu pico de produção.

De acordo com a EIA (USA Energy information Administration) e a IEA (International Energy Agency) a produção diária de combustíveis líquidos entre Jan e Set 2008 mostra que a media de 2008 ficará entre 86 e 87 milhões de barris por dia (petróleo convencional + não convencional + líquidos condensados do gás + ganhos de refinaria + bio-combustíveis + sintéticos).

Esse valor é muito próximo das últimas estimativas para o pico mundial de produção, previsto para ocorrer entre 2008 e 2012 -- mas antecipado para a data mais próxima em razão da previsão de atrasos na implementação de
produção nova, pela dificuldade de obtenção dos necessários recursos, em conseqüencia da crise.

Sendo assim, se apesar da queda do preço a demanda por petróleo se mantiver no entorno de 87 milhões de barris, dificilmente ela poderá ser atendida em 2009.

Enormemente mais grave que isso, porém, é o fato de que, se a demanda cair em conseqüência do abalo econômico, a ocorrência do máximo pico de produção em 2008 determina a impossibilidade física de fazer a produção voltar depois a esse nível, o que impedirá a retomada do crescimento econômico, mesmo que sejam satisfatoriamente resolvidas as seqüelas da crise financeira deflagrada em setembro/outubro de 2008.

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